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Dra. Natalia Pasternak Taschner, bióloga*

Poliomielite, uma gotinha de bom senso

Colunista explica por que ainda não vencemos a pólio — e por que a doença, para a qual existe vacina, pode voltar a nos assombrar


Quem era criança nas décadas de 1950 e 1960 deve se lembrar bem do medo da poliomielite. Uma das imagens mais icônicas dessa era são os pulmões de aço, máquinas onde crianças acometidas pela doença podiam passar semanas internadas, muitas vezes saindo de lá com sequelas motoras que carregariam para a vida toda.

A pólio é causada por um vírus, não tem cura e só existe uma forma eficaz de preveni-la, a vacina. Normalmente o mal se propaga assim: o vírus entra pela boca e multiplica-se na faringe e no trato gastrointestinal, o que resulta em sua disseminação tanto pela saliva como pelas fezes. Essa característica faz com que a doença seja de fácil contágio.


O vírus é contagioso, porém não tão agressivo. A maior parte das infecções não provoca sintomas. Cerca de 25% das pessoas afetadas apresentam manifestações que recordam uma gripe leve: febre, dor de cabeça e de garganta, nariz escorrendo, náusea…


A versão mais grave, a poliomielite paralítica é, na verdade, muito rara. Ocorre em menos de 1% dos indivíduos infectados — geralmente crianças com menos de 5 anos. Nesses casos, o vírus ataca o sistema nervoso, levando a danos motores e respiratórios. Em situações ainda menos comuns, pode até matar.


Ainda assim, dadas a facilidade do contágio e a seriedade das sequelas — sem falar no alto custo dos tratamentos para os casos graves —, a doença tornou-se motivo de preocupação na esfera da saúde pública. Não à toa, em meados do século passado, houve grande investimento nos Estados Unidos para o desenvolvimento de vacinas contra a pólio.


Desses esforços nasceram dois imunizantes mundialmente famosos e eficazes. A vacina Salk, que utiliza vírus inativados (mortos) e é administrada via injeção intramuscular. E a vacina Sabin, que se vale de vírus atenuados e é dada via oral — daí a campanha com o Zé Gotinha no Brasil.


No Brasil e na maioria dos países em desenvolvimento, as redes públicas de saúde recorrem à vacina Sabin. Ela é cinco vezes mais barata que a Salk e não requer seringas estéreis tampouco profissionais especializados para aplicá-la. Além disso, por ser ingerida, confere imunidade na mucosa do intestino, passo importante para bloquear a cadeia de transmissão. A vacina Salk, por sua vez, vai direto para a corrente sanguínea, concedendo imunidade apenas para quem foi vacinado.


Para ficar mais fácil de entender: se você tomar a Salk, estará seguro. Ao ser infectado pelo vírus da pólio por aí, não ficará doente, porque terá anticorpos para defendê-lo. No entanto, esse vírus poderá replicar-se em seu intestino e, espalhando-se pelas fezes, infectar outras pessoas.


Agora, se você tomar a vacina Sabin, o vírus vacinal (aquele atenuado e que não causa doença) chega ao seu intestino, estimula a produção de anticorpos ali e isso impede que a doença se alastre. A estratégia das gotinhas têm mais uma vantagem.


Quando temos uma campanha de vacinação, todo mundo toma as vacinas ao mesmo tempo e, assim, os vírus vacinais fraquinhos podem circular e conferir uma imunidade passiva para quem não se vacinou. Isso é importante especialmente em locais com pouco saneamento básico.


Graças às vacinas e um esforço público-privado liderado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 1988 — a chamada Iniciativa Global para Erradicação da Pólio —, a doença foi quase exterminada do planeta. Em 1988, a OMS notificou mais de 350 mil casos no mundo. A pólio era endêmica em 125 países. Desde então, mais de 10 bilhões de doses da vacina Sabin foram distribuídas pelo planeta, imunizando 3 bilhões de crianças. Em 2005, apenas 2 mil casos foram reportados.


Apesar da queda vertiginosa, o número ainda está acima do esperado. A expectativa da OMS era erradicar completamente a pólio até o ano 2000. Isso ocorre porque existem três países onde a poliomielite persiste por falta de vacinação: Nigéria, Paquistão e Afeganistão.


Uma das razões para essa situação é que grupos religiosos extremistas espalham boatos contrários à imunização. Eles pregam que as vacinas fazem parte de um plano do Ocidente imperialista para esterilizar meninas e espalhar outro vírus, o HIV. Além disso, agentes da OMS são frequentemente atacados em campanhas de vacinação por grupos religiosos radicais.


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