“Tiraram a sensação de que eu era a mais fracassada. Ficaram tão felizes com tão pouco”, diz Débora Oliveira.
A Débora Oliveira foi ‘salva’ quando cinco crianças tocaram o interfone da sua casa, em São Miguel dos Campos, no interior de Alagoas, para pedir comida e tomar banho na sua piscina.
Débora extava exausta psicologicamente por causa da reprovação no exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Afinal, fez cinco anos de faculdade e estudou bastante para fazer uma boa prova. Como ela mesmo disse ao Razões para Acreditar, sua “autoestima estava abaixo de zero”.
Não acreditava mais que pudesse passar no exame da OAB e só fez a inscrição para a prova no próximo dia 17 de março por insistência da irmã e graças às cinco crianças que tocaram o interfone da sua casa. Um pouco antes, Débora estava aos prantos: não era pelo açúcar que faltou quando foi preparar um suco, mas pela sensação perturbadora do fracasso.
Com três graduações e duas pós – Débora também é formada em Legras, com habilitação em Português e Inglês –, desempregada e reprovada no exame da OAB, Débora se sentia péssima. Nem lembrava da menina que vendia ovo com o pai na feira e que, após batalhar bastante, conseguiu uma casa com gramado, piscina, no melhor bairro da cidade.
Esqueceu até que ocupou o cargo de Secretária de Defesa da Mulher e liderou o edital que levou a Delegacia da Mulher para São Miguel dos Campos, cidade a 65 km de Maceió. Foi preciso as crianças lembrarem Débora de todas as coisas boas que conquistou e de quem ela realmente é: um exemplo de superação para as próprias crianças.
“Eu peguei 1 kg de alimento e fui até a porta. Quando eu cheguei na porta vi cinco crianças, entre 10 e 13 anos. Eram todos primos e quando eu fui fechar a porta, um dos garotos me pediu água. Eu disse que ia pegar e já voltava, mas aí ele falou ‘na verdade, tia, não era isso. Deixa eu tomar banho na sua piscina?’”, lembra.
Débora disse que a piscina estava suja, mas deixou que as crianças entrassem para tomar água. Porém, as crianças insistiram, dizendo que limpariam o jardim da casa em troca de um banho na piscina, mesmo que suja. Claro que Débora não deixou que limpassem o jardim nem qualquer coisa do tipo.
“Eu vi naqueles meninos a menina pobre que um dia eu fui. Lembrei da menina que nunca imaginou ter uma casa com piscina.”
No caminho até a piscina, as crianças falavam que a casa de Débora era a maior “mansão” que já tinham visto e que Débora parecia uma atriz da Globo. “Você precisava ver os olhos deles brilhando quando viram a piscina toda verde. Eles começaram a dar cambalhotas no gramado e tirar as camisetas para entrar no chuveiro. Eles tomaram banho bastante à vontade e eu só observava o quanto estavam felizes.”
Então, Débora pediu ao seu filho, Haul, para tomar conta das crianças que ela ia trocar de roupa. Uma desculpa para colocar o choro pra fora, mas, agora, de gratidão. Débora se ajoelhou no quarto e pediu perdão a Deus por “reclamar de tantas coisas”. Começou a agradecer por tudo o que tinha e por aquilo que se tornou: uma mulher de muitas conquistas!
“Foi como um flashback. Voltei ao passado e pensei que nunca tinha imaginado ter uma casa em um bairro nobre da minha cidade. Olhei para aquela menina pobre e disse ‘você conseguiu. Você conseguiu deixar de ser a menina do ovo, e hoje está sendo chamada de atriz da Globo por crianças que só queriam um prato de comida’”, desabafa Débora.
“Eu voltei ao senso normal depois desse choque de realidade. Tomei um banho e voltei para a área da piscina. Então, eu perguntei se eles tinham almoçado e todos ficaram sem silêncio. Aí um disse que eles recolhiam comida o dia inteiro e quando chegassem em casa a mãe fazia alguma coisa.”
Débora foi até cozinha ver o que era mais rápido e prático de fazer para as crianças. Pegou um pacote de macarrão na dispensa e algumas salsichas no freezer, pois era a única coisa que não estava congelada: rapidinho preparou uma macarronada. Preparou a mesa e deixou que as crianças almoçassem.
O sorrido nos olhos era de alguém que não comia fazia muito tempo, conta Débora. Cada vez que as crianças chamavam de Débora de “rica”, ela lembrava da menina que vendia ovo na feira com o pai. Quando se despediram de Débora, um dos garotos disse que faria aniversário no dia seguinte. Outra criança faria aniversário dali alguns dias.
Ela combinou de levar um bolo e refrigerantes na igreja do bairro onde as crianças moram e lá cantariam parabéns. Só que nenhuma das crianças apareceu: Débora não sabe dizer o que aconteceu. Seu último contato com as crianças foi no dia da piscina.
“Elas salvaram o meu dia. Tiraram a sensação de que eu era a mais fracassada. Ficaram tão felizes com tão pouco. Um banho na piscina suja com um prato de macarrão com salsicha. Lembrei de quem eu era e de quem eu sou hoje.”
“Graças àquelas crianças eu fiz a inscrição no exame da Ordem. Vou fazer a prova e se por acaso eu não passar mais uma vez, é por que não é minha hora, e tudo na vida tem uma hora. Até lá eu vou esperar o universo conspirar a meu favor e que as portas do mundo se abram não só para mim, mas para tantas outras pessoas, principalmente para as crianças pobres.”