“Tudo começou quando um dos rapazes da coleta de lixo pediu água”, conta Heli de Jesus Andrade, moradora do bairro Santa Júlia em Itapecerica da Serra, região metropolitana de São Paulo. Ela que adora uma boa conversa aproveitou a deixa e puxou papo, logo soube que aquela não era a primeira casa que o rapaz batia para pedir água. Antes ele tentou outros moradores e pasmem “recusaram um copo de água”.
Desse dia em diante ela passou a esperar pelos rapazes com uma jarra de água todas as manhãs de segunda, quarta e sexta-feira quando concluíam a coleta de lixo. Da jarra de água evoluiu para um suco, café e nos dias de pagamento da aposentadoria esporádicos refrigerantes. Itens como margarina e pão de sal foram incluídos na compra mensal. Pronto! Agora o café da manhã estava completo sobre uma mesa de madeira simples posta na garagem da casa da dona Heli. Na falta de dinheiro, a padaria próxima a casa dela doava o pão de sal. Agora eles o fazem regularmente.
Quando a anfitriã precisa se ausentar por conta de algum compromisso, a simpática senhora deixa um bilhete na mesa com orientações ou recorre a sua rede de apoio: filho, noras ou netos que moram próximos a ela ficam responsáveis por servir o café, inclusive os seus bisnetos já se acostumaram a tomar o café com Pedro Henrique, de 30 anos sendo 8 deles como coletor; Sidrônio Francisco de 20 anos e recém-chegado ao grupo – há 7 meses –; Marcos Martins de 43 anos, 9 anos como coletor e o veterano Mauro Fernando de 35 anos, que trabalha há 10 anos como motorista.
Por dia eles percorrem 22 quilômetros, seis dias por semana, entre morros íngremes e ruas sem asfalto da região. Ao todo são 132 quilômetros por semana, mais de 6 mil quilômetros por ano. Como todo mês de dezembro, eles passaram pelo bairro deixando panfletos pedindo aos moradores uma “caixinha de final de ano” e a dona Heli é uma das pessoas que ajudam a distribuir o material, pedindo qualquer contribuição financeira aos “meninos” como os chama carinhosamente. “Ela ajuda a gente demais”, diz o pernambucano Sidrônio.
O afeto e respeito entre eles é de arrepiar. Em troca, os meninos que ganham frutas do sacolão do bairro fazem questão de compartilhar com ela, que as aceita de bom grado. “Esse carinho de sentar na mesa com ela e a sua família não tem dinheiro que pague”, se emociona Pedro Henrique ao falar. Já Heli o corrige e diz que não faz nada de demais: “Eles merecem muito mais do que isso”.
Surpresa de Natal
Em forma de agradecimento, eles nos avisaram que fariam uma surpresa para a dona Heli. Junto com as esposas, os coletores prepararam um café da manhã especial e deram de presente uma cesta com sabonetes, hidratante e demais produtos que toda mulher adora ganhar. Dona Heli se emocionou quando o motorista Mauro leu para ela uma cartinha em nome do grupo dizendo “seu apoio foi para nós de valor inestimável”. A surpresa foi feita as vésperas do seu aniversário de 77 anos, comemorado junto com o natal.
Fonte: Erika Sarinho | Razões para Acreditar