Se o fenômeno que chamamos vida fosse uma peça de teatro, ela teria cinco elementos químicos como atores principais e mais 20 como coadjuvantes. Cada um deles tem sua ‘vida e obra’ registradas na Tabela Periódica, que completa agora 150 anos.
Como escrevi em livro publicado em 2015, aprendi, com o químico britânico Peter Atkins, a olhar a Tabela Periódica como se fosse um continente. Ao norte, a pequena ilha do hidrogênio; ao sul, a grande e explosiva ilha dos lantanídeos e actinídeos, elementos radioativos e prontos a explodir.
De oeste para leste, os elementos vão do metálico ao gasoso, com uma espécie de deserto na região central, que se mostrou altamente produtivo para a humanidade. É ali que se encontram o ferro, o cobalto, o níquel, o ouro, a prata, entre outros elementos usados na metalurgia e eletricidade. A leste do deserto, os materiais semicondutores, que alimentam a indústria eletrônica.
Saindo do metafórico deserto central, em direção à costa leste, deparamo-nos com a região dos não metais. Nela e na fronteira com o deserto, estão os semicondutores. E, acima destes, o espaço da química da vida, ocupado pelo carbono, nitrogênio, oxigênio e fósforo.
Pode-se estranhar nessa lista acima a falta de hidrogênio e a inclusão do fósforo na química da vida. Calma, o hidrogênio é componente básico no fenômeno vida. Ele não está aí na relação porque ocupa outro espaço da Tabela Periódica – ele está sozinho naquela ilha do norte, lembra-se?
Agora, a estranheza em relação ao fósforo é porque ele atua meio que em surdina. Quando se fala em química da vida, logo se pensa em carboidratos. Mas, para se chegar ao carboidrato, há que se passar pelo fósforo, na forma de trifosfato de adenosina – a famosa molécula ATP –, a principal moeda de troca de energia nos sistemas biológicos. Esse ‘P’ da ATP é de phosphorus (fósforo, em latim). Essa história toda pode ser encontrada em disciplinas que tratem de bioquímica e biologia molecular.
Além desses cinco, o corpo humano requer outros 20 elementos para funcionar apropriadamente. Sendo um sistema complexo, é normal que nosso organismo use elementos químicos de boa parte da Tabela Periódica (figura). Para a formação da estrutura óssea, o corpo precisa de carbono, cálcio e fósforo. Para transportar oxigênio, usamos a hemoglobina, proteína complexa que faz isso com a ajuda de átomos de ferro em seu interior.
Fenômeno vital para o ser humano é a transmissão de sinais elétricos pelo cérebro. Como isso é possível, se nossas células (inclusive, as nervosas) são protegidas por uma membrana de ‘gordura’ (lipídios)? Resposta: ela permite o ingresso de certas substâncias (como os elementos citados), e o fluxo de cargas através dessas membranas é o que gera a corrente elétrica.
Esse fluxo é controlado pelos canais iônicos, proteínas que agem como ‘porteiros’ celulares. Os pulsos elétricos gerados nessa passagem são conhecidos como potenciais de ação. A ocasional interrupção desse processo pode gerar enfermidades.
Vejamos dois exemplos de quadros decorrentes dessa interrupção: i) se as células do coração pararem de gerar corrente elétrica – a qual faz a musculatura desse órgão contrair –, isso leva à cessação do bombeamento de sangue e a um ataque cardíaco; ii) quando há insuficiência do hormônio insulina no pâncreas, ocorre o fechamento do canal da ATP sensível ao íon do potássio (K+), evento que ativa a circulação do íon duplo de cálcio (Ca2+) e pode levar ao diabetes.
Como atores em uma peça teatral, a atuação harmônica de cada um desses 25 elementos é que garante a cada instante a encenação perfeita desse fenômeno que chamamos vida.
Por: Carlos Alberto dos Santos