Quando Ron Finley decidiu cultivar alimentos na frente da sua casa, provavelmente, não imaginou quantas pessoas incomodaria e, principalmente, quantas inspiraria. Ele virou o “gangsta gardener”, um dos agricultores urbanos mais conhecidos do mundo. É dele a frase que você já deve ter ouvido por aí: Plantar a própria comida é como imprimir o próprio dinheiro.
Para além da enxada, ele tem no humor uma de suas grandes ferramentas.
Nada de caretice, ele quer transformar o plantio em algo atraente. “O que eu quero fazer é deixar isso sexy. Quero que todos nos tornemos ‘ecolucionários’, renegados, gângsters, jardineiros gângsters. Se você não é jardineiro, você não é gângster”, afirmou durante uma apresentação no Ted Talks causando risos na plateia.
Essa redefinição do gângster torna cool a agricultura, que ainda é vista com tanto distanciamento por moradores de grandes cidades. Sua revolução é espalhar jardins comestíveis e movimentar pessoas para fazerem o mesmo.
Saindo do deserto alimentar
Finley cresceu em South Los Angeles, área metropolitana do condado de Los Angeles (EUA). Predominantemente negra e latina, dali e dos arredores nasceram diversas personalidades.
A região pertence ao que é chamado de deserto alimentar – conceito que define locais com pouco ou nenhum acesso a alimentos nutritivos. É preciso se deslocar razoavelmente para comprar itens frescos e saudáveis. Mesmo estando a menos de 20 quilômetros de distância, “o nível de obesidade no meu bairro é cinco vezes maior do que em Beverly Hills (lar de estrelas de Hollywood)”, explicou.
Ele percebeu a intrínseca relação entre esta realidade, os incontáveis fast-food espalhados ao seu redor e o aumento de mortes por doenças evitáveis. Chamava a atenção dele o número de centros de diálise, que crescia a cada dia, assim como a compra de cadeiras de rodas. Decidiu que deveria fazer algo a respeito. Assim teve início sua primeira “floresta comestível”.
Comida é o problema? Comida é a solução!
Finley se uniu com amigos e usou uma faixa de gramado, em frente a sua casa, para começar a cultivar. Plantou vegetais e espécies frutíferas. Sua lógica era simples: se é minha responsabilidade cuidar da calçada, posso fazer o que eu quiser. Mas, na prática não foi tão simples.
O plantio na calçada gerou reclamação, que logo se transformou em notificação e até mandado de prisão. Um dos seus amigos lançou uma petição a seu favor e ele só não teve que pagar multa e se desfazer de sua horta porque o caso ganhou muita repercussão – chegando até a páginas de jornais. Teve apoio em massa, o que resultou não só na permanência da horta como também do início de uma história que dura até hoje.
Com seu grupo de amigos, ele criou a organização voluntária “LA Green Grounds” com o objetivo de ajudar os residentes de South Los Angeles a criar seus próprios jardins comestíveis. O projeto se transformou em uma ferramenta de educação para compartilhar os benefícios da prática do plantio orgânico.
Dentro de abrigos, na rua, em terrenos baldios. O hortelão urbano ajudou a construir hortas comunitárias em diversas partes de Los Angeles. Também inspira amantes da agricultura nas cidades de todo o mundo por meio de seu Projeto Ron Finley.
Ferramenta de emancipação
Defensor da produção hiperlocal de alimentos, para ele tudo isso se trata de saúde, segurança alimentar e de oportunidade de um futuro melhor – não só para ele.
“Se as crianças cultivam couve, elas comem couve”, afirma. Mas, se ao contrário, elas não têm contato com alimentos “de verdade” e não entendem como lanches gordurosos afetam sua saúde física e mental parece óbvio que, quando houver opção, elas escolherão o fast-food.
Não é demais ressaltar que o fast-food se popularizou nos Estados Unidos (nos anos 50) e, além do preparo rápido, se caracteriza como uma refeição barata, sendo por vezes a única oferta disponível ou possível financeiramente.
Finley, como homem negro, também destaca o aspecto racial em sua luta. Envolver crianças e jovens negros nesta caminhada é a forma que encontrou para “treiná-las para assumir o controle das comunidades” para serem parte da criação de cidades mais sustentáveis. “Estou falando de colocar pessoas para trabalhar e tirar crianças da rua, e deixá-los conhecer a alegria, o orgulho e a honra de cultivar a própria comida; abrindo mercados de agricultores”.
Com a pandemia, Ron Finley acredita que as pessoas perceberam que plantar a própria comida não é somente uma questão de hobby, mas sim de “vida ou morte”. Se é preciso construir um novo mundo no pós-pandemia, ele já está com as mangas arregaçadas para começar. Aliás, ele já começou. Sabe aquela proibição de plantar alimentos nas calçadas? Não existe mais em Los Angeles.
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